Não há som sem pausa
Notação de alguns tempos de pausa nas partituras de música
O silêncio em sua várias formas de pausa na música, possibilita uma diversidade de sentidos. Sem as fórmulas do silêncio, o som não pode durar. José Miguel Wisnik é compositor e pesquisador de uma história da música, muito particular.
No seu livro : O som e o sentido , Wisnik fala sobre esta relação imbricada entre silêncio e música, explicando a importância das pausas, nos diversos contextos culturais e históricos da produção musical.
“O silêncio é o que faz o som ter sentido. É o intervalo que o faz aparecer.”
Para Wisnik a música é uma forma cultural de organização do tempo e portanto ela muda suas relações com o silêncio de acordo com os costumes de cada civilização.
Na música modal — que aparece em tradições antigas, orientais, africanas e também em certas vertentes da música brasileira — o som não se move em direção a uma resolução : como acontece na música tonal ocidental.
Em vez de tensão e repouso, há circulação, vibração, repetição.
“Na música modal, o som tende a permanecer, a girar em torno de si mesmo, a se habitar.
O tempo não é um vetor que progride, mas um campo onde se está.”
Um exemplo desta pesquisa é o trabalho é o trabalho de composição de trilha que o artista fez para o Grupo Corpo em 2011.
O espetáculo Sem Mim foi inspirado na obra de Martín Codax, um trovador galego-português do século XIII, cujo ciclo de canções (o “ciclo do mar de Vigo”: Canção número 1
Trilha do espetáculo Sem Mim
do Grupo Corpo
A música modal estende a atenção, num tempo quase meditativo onde as pausas buscam expandir o silêncio.
Já na música tonal o tempo é vetorial, orientado — o silêncio é o espaço “entre os gestos do tempo”, não o tempo em si. No auge do classicismo e do romantismo, a pausa ganha valor dramático.
Ela não é ausência, mas expectativa: um espaço carregado de sentido.
O silêncio na música tonal é retórico — ele fala por meio da ausência, preparando a volta do som.
É o intervalo que dá clareza e respiração à narrativa musical, mas o sentido dele é sempre funcional, ligado ao movimento de ir e vir da tonalidade.
Um exemplo pode ser, a Sinfonia n.º 5 em Dó menor, I movimento.
Após o motivo inicial, há uma pausa abrupta, que carrega uma carga de expectativa colossal. O silêncio cria suspensão e impacto. O silêncio não é a falta de música, mas sim a sua condição de existência.
Cada época vai escolher os modos de viver os seus silêncios ou mesmo de dar valor as formas que o compõe.
Toda música começa no silêncio e termina nele.
O silêncio é origem e destino, matriz e dissolução.
É o fundo sonoro do mundo — aquilo de onde o som emerge e para onde retorna.
John Cage levou essa ideia ao limite com 4’33”, mostrando que o silêncio não é vazio, mas pleno de sons imprevisíveis . Na leitura de Wisnik, 4’33” não é o fim da música, mas sua revelação: o instante em que ela mostra o que sempre foi. Ao calar, a música expõe sua essência — o som do mundo.
E você, qual é a música que o seu silêncio compõe ?
Para conhecer mais sobre a obra de José Miguel Wisnik :
JOSÉ Miguel Wisnik. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoas/441-jose-miguel-wisnik. Acesso em: 27 de outubro de 2025. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7