O desvestir do silêncio

“O silêncio não é vazio, ou sem sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade significativa. Isto nos leva à compreensão do “vazio” da linguagem como horizonte e não como falta.” Eni Puccinelli Orlandi 1997

Calar é um caminho ousado e com muitas camadas. Num primeiro momento encontramos um turbilhão em nossa mente e percebemos dores sutis, percepções desconhecidas e amortecidas pela rotina de uma fala que encobre sensibilidades tímidas.

Calar é estado e requer uma vontade resoluta para que a travessia continue ; numa meditação que busca atravessar esta primeira trama de distrações e quando conseguimos, adentramos uma outra paisagem, menos reluzente e ao mesmo tempo mais potente.

Como canta a poeta:

"Sobre o silêncio

Calar é o verbo mais difícil de ser decifrado.

Só o leem os anjos e os sábios.

Por isso, escrava do texto, poeta que sou,

só sei traduzi-lo nos hieróglifos da palavra amor.” (AMNERES, 2014)

Entramos agora numa vastidão suspensa, do tamanho de uma teia de aranha imantada num orvalho evanescente.

Um bailado de nuvens tocadas pelo vento tremula em nosso peito e percebemos de forma contemplativa e senciente que vibramos em plenitude. A contemplação é um estado fugidio mas repleto de bem querer .

Ela despe nossas vaidades nos trazendo ao chão comum de todos os seres.

Calar é então pertencer e pulsar num singelo instante onde antevemos brevemente para além do nosso ser, uma fresta numinosa que convida a continuar o mergulho.

O silêncio se adensa e agora quase nus resistimos ao próximo passo. Tememos o rasgar das ilusões já perdidas mas ainda queridas.

Se tudo desmoronar o que será ?

Calar pede confiança em outras caminhantes nesta viagem interior. Recorremos novamente a poesia, agora na pena de Sophia de Mello Breyner Andresen, ela dá contorno físico.

“Tomei nas minhas mãos a sombra escura
E embalei o silêncio nos meus ombros.
Tudo em minha volta estava vivo
Mas nada pôde acordar dos seus escombros
O meu grande êxtase perdido."

Calar toca o indizível mistério .

O outro agora pode dizer e eu finalmente posso escutar.

Abre -se um horizonte vasto, de possibilidades sem vestes que impedem o contato alter.

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