Es Devlin e a paixão pela luz

Cecília Salles descreve o processo de criação como :

“um movimento falível com tendências, sustentado pela lógica da incerteza, englobando a intervenção do acaso e abrindo espaço para a introdução de idéias novas. Um processo no qual não se consegue determinar um ponto inicial e nem final.”

Um processo em rede, aqui entendida como um modo de pensamento, uma não linearidade e a capacidade de lidar com o complexus: aquilo que é tecido em conjunto e nas suas interações geram conexões.

A interatividade é uma propriedade da rede e qualquer momento do processo é simultaneamente gerado e gerador . Vemos no trabalho de Es Devlin esta transformação e pesquisa contínua nos seus cenários. Ela começou trabalhando com teatro e com óperas experimentais. no London's Bush Theatre. Atualmente Devlin fez esculturas de larga escala para os palcos para a tour de artistas como Beyoncé, Adele, U2, e na Royal Opera House em Londres

Don Giovanni (Royal Opera House)

Es Devlin conta que todos os seus projetos criativos se iniciam com uma folha em branco e uma pessoa sentada na sua frente. Enquanto a pessoa conta o que imagina ela desenha, muitas vezes depois desta escuta, faz uma intervenção: corta uma entrada de luz na folha.

Esta fenda define sua busca pela vão, o vazio que permite uma outra perspectiva. Entendo este corte como um ato simbólico de que o primeiro desenho é uma das possibilidades possíveis.

Devlin afirma que para guiar seu processo criativo, ela usa o que chama de “cinco ingredientes da criação de palcos”, que são: espaço, luz, escuridão, escala e tempo. É interessante pensar como os cinco ingredientes pensados pela cenógrafa vão de encontro com outras manifestações artísticas como a fotografia e design, por exemplo. Tal relação reforça a ideia de que a cenografia envolve um fazer coletivo, se vinculando à iluminação, cenotecnia, performance e claro, ao artista.

Es conta um pouco sobre seu processo criativo na apresentação da proposta de seu curso no Master Class.

Suas obras trabalham de forma contundente com a escala e a perspectiva. Devlin declara no documentário: Abstract da Netflix (2018) que os celulares mudaram completamente o modo de se conceber um show. Você precisa perceber que o espetáculo vai ser filmado pelas pessoas de todos os ângulos e portanto não é possível mais trabalhar numa criação plana e sim com múltiplas perspectivas.

Es Devlin cria soluções que encantam e trazem o que ela denomina de “magia” para o show.

“Se analisarmos os shows antes de 2003, a maioria das fotos era tirada por fotógrafos profissionais perto do palco. Vê-se uma imagem enorme, quase divina do artista, com muitas luzes atrás. Era assim que as imagens ficavam gravadas para quem não havia ido ao show. Mas agora, com as câmeras de celular, esses eventos são gravados de todos os ângulos e por isso, o meu trabalho tem sido visto de todos os ângulos. É uma grande mudança. Os artistas com quem trabalho são bombardeados com imagens de suas apresentações..”

Figura 2 - Formation Tour Beyoncé, cenografia de Es Devlin.

Figura - Formation Tour Beyoncé, cenografia de Es Devlin.

Show Adele . abertura

A artista define seu trabalho como um “quebra-cabeça poético que aguarda ser desembrulhado e desvendado “

Ela esculpe uma experiência quer seja nos shows ou em suas Instalações artísticas.

Poem Pavilion , por exemplo, usa algoritmos avançados de aprendizado de para transformar a entrada dos visitantes na Expo UK em Dubai em poemas coletivos.

Os visitantes são convidados a doar uma palavra no porta-voz ao entrar no espaço central, no Pavilhão do Poema. Exibe-se contribuições em inglês e árabe, acompanhadas por uma paisagem sonora. Um algoritmo compila as palavras doadas em textos, gerando um poema coletivo a cada minuto.

Desenvolvida juntamente com Hans Ulrich Obrist para a Serpentine Gallery, em Londres.

A linguagem da luz emociona qualquer público, todos somos tocados por ela e ninguém pode encerra-la. No teatro, num espetáculo sempre iniciamos no escuro. Minha busca é como esculpir a luz
— Es Devlin

A artista conta que seu amor pela luz foi nutrido pela beleza dos vitrais de Marc Chagall, que ela define como pintura traduzida em luz. Narra a sua alegria ao visitar uma pequena igreja repleta de vitrais, fruto de dez anos de trabalho do artista

A intensidade das cores , a refração da luz que passa pela janela criando uma atmosfera de encantamento; o contraste entre o interior da igreja e a opacidade do exterior. Este momento é o que inspira Es a buscar esta mesma emoção, este estado de revelação na audiência dos espetáculos que desenha.

Marc Chagall - All Saints Church/ Tudeley

Vemos em todos os gestos da artista a preocupação de encantar, de comunicar e se conectar com o público.

Numa fala conceitual, onde explica o seu trabalho, ela cita o escritor E.M. Forster e seu conselho aos criadores :

“Only connect. That was the whole of her sermon. Only connect the prose and the passion, and both will be exalted, and human love will be seen at its height. Live in fragments no longer. Only connect, and the beast and the monk, robbed of the isolation that is life to either, will die. “

(Ch 22 'Howard's End', 1910).

Labirinto de espelhos e vídeos com perfume /an interactive video sculpture created in support of the new immersive installation - Peckham, South London.

Podemos perseguir o rastro perfumado deste labirinto de espelhos e luz que Es Devlin deixa no seu processo, percebendo claramente que suas obras são reflexos de uma busca e expressam passos de uma coreografia criativa.

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