Onqotô : Onde estou ?

Sou esse animal de percepções e de movimentos que se chama corpo.

Maurice Merleau-Ponty

Corpo é movimento, gesto, linguagem, sensibilidade , expressão criadora e lugar de encontro.

Pesar do mundo é uma das músicas coreografadas no espetáculo do Grupo Corpo : Onqotô, uma expressão do dialeto mineiro para perguntar: Onde é que eu estou ?

Na letra de José Miguel Wisnik temos a brincadeira de significados peso : gravidade e o apesar : expressão de contradição

Pesar de tudo
Pesar do peso
Pesar do mundo
Sobre si mesmo

Na conversa sobre o corpo fenomenológico de Hubert Godard. é importante o conceito de pré-movimento que depende da atividade perceptual. Para mudar alguma coisa na postura, é preciso mudar o relacionamento do fluxo perceptivo com o campo circundante. O pré-movimento está ligado à orientação espacial, que por sua vez está ligada a tonicidade dos músculos profundos.

Entendida como a resultante da relação de dados interoceptvios, proprioceptivos, exteroceptivos, isto é, sensações, percepções, fantasmas, projeções, memórias e intenções motoras. A resultante entre esquema e imagem corporal representa e concretiza o ajustamento, a precisão e a eficiência das condutas humanas. Wallon fala da profunda relação entre emoção e tônus:

Moldado simultaneamente pelas variações produzidas tanto no ambiente como nas vísceras e na atividade própria do indivíduo, o tônus é de fato constituído para favorecer uma base material à vida afetiva “

Hubert Godard afirma que é preciso entender que não podemos mudar a postura de ninguém. A única coisa que podemos fazer

“é evocar a emoção do encontro com o mundo”

A linha de equilíbrio não é uma estrutura. O ouvido interno funciona como um prumo dinâmico que situa nossos movimentos em relação à vertical do campo gravitacional. Ao empurrar com a perna para trás, há um momento de desconhecido para onde se está indo. A caminhada é isso uma alternância de lados, significa sair de um equilíbrio em busca de um outro equilíbrio. E quando se está completamente aberto com um fluxo não focado, ganhamos a postura gravitacional.

Como está sua presença no mundo ?

Você sente que está alinhada com seu entorno ? Sente leveza, equilíbrio ou o peso do dia parece a pedra do mito de Sísifo, achatando seus sentidos numa rotina interminável ?

O pesquisador que estamos lendo neste semestre David Le Breton escreveu um livro sobre a tentação contemporânea de desaparecer, não querer carregar mais o peso do mundo. Ele fala de várias formas deste - Desaparecer de si : as depressões, fadiga, a errância de espaço, o infinito deslizamento virtual. o Alzheimer. Seus relatos mostram o oposto desta presença sensível no mundo, a tentação de fuga e desligamento de uma vida pessoal.

“O indivíduo não percebe mais o seu lugar. Embora muitas vezes ele tenha se sentido à margem e tentado acomodar-se, desta vez ele não tem mais força, ou talvez nunca a tenha tido. O mundo lhe foge. Então ele abandona seu universo profissional ou doméstico, apaga-se, sai sempre menos de casa, não se preocupa mais com seus próximos nem com seus assuntos particulares. Simplesmente desiste do mundo que o cerca.

Os outros por sua vez, também se distanciam, ou por encontrar um menor interesse em frequenta-lo ou magoados por sua maneira de estar sempre alhures. Ele não quer mais ser alguém para o vínculo social ou para a sua família e se desincumbe de sua existência vivendo por uma espécie de força da gravidade. está presente sem estar.”

Retomar a casa/corpo como primeiro lugar que habitamos pode ser um caminho de encontro consigo mesmo e também com os outros.

A volta dos sentidos de viver são lentas e trabalhosas mas podemos começar pelo conselho do poeta :

Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias…

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…

E reconhecer nela o seu lugar.

Carlos Drummond de Andrade

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