O azul mu(n)do de Guillermo del Toro

Neste semestre estamos estudando as relações entre os sentidos e os processos criativos; para ajudar nesta pesquisa escolhemos o livro de David Le Breton : Antropologia dos sentidos.

Você pode acompanhar o passo a passo das conversas aqui e neste artigo vou utilizar os sentidos da visão e audição para meditar sobre um dos filmes do cineasta Guillermo del Toro.

A forma da água , lançado em 2017, retrata, no contexto da Guerra Fria, a relação de empatia e encantamento da personagem Elisa – uma jovem faxineira, muda e solteira , que trabalha em um laboratório secreto do governo americano, com uma estranha criatura aquática, pela qual ela se apaixona. Essa criatura híbrida, entendida pelo governo estadunidense como um recurso de guerra e como “um ser divino” pelos nativos da região onde foi capturada, é salva e liberta por Elisa dos maus-tratos do oficial do exército americano Strickland, o antagonista da trama. Como o cineasta explica no lançamento para o El País.

“Queria um filme que fosse político obliquamente, não frontalmente. E ver é o ato supremo de amor. Se eu vejo você, garanto a sua existência. A ideologia pretende negá-lo, transformá-lo em uma coisa: um judeu, um mexicano, um pária”

Na contracapa você lê : Um amor além das palavras e o cineasta explica que você pode assistir o filme sem os diálogos e mesmo assim vai compreender tudo .

“ A primeira coisa é que as palavras podem mentir mas o olhar não. Eu queria personagens que não podiam falar e que suas emoções fossem percebidas pelo olhar, a forma como se vêem, se tocam, toda a linguagem corporal e amorosa em essência. Você pode cantar o amor mas não pode falar sobre.”

No livro de David Le Breton temos o estudo da riqueza da linguagem de sinais, que solicita :

“a postura corporal, o movimento das mãos e as mímica do rosto, ela implica um uso do corpo e uma proximidade física em ruptura com os ritos de interações vigentes”

Esta presença corporal é o que permite a aproximação de Elisa com a criatura e principalmente uma comunicação entre corpos.

No primeiro dia de produção Guillermo del Toro levou para o estúdio uma caixa com cores de pinturas da Benjamin Moore, 3.500 no total.

A busca de um azul para cada personagem . A cor de Elisa interpretado pela artista Sally Hawkins, foi a “Giles’s color.”

A filmografia trabalhou com várias nuances do azul num total de 100 cores.

No livro da Antropologia dos sentidos temos no capítulo da visão a conversa sobre a percepção das cores e o esclarecimento da importância cultural atribuída a cada tom, existe uma grande variabilidade na percepção cromática e a cor participa do mundo como um filtro interpretante.

“ o centro de gravidade da nomeação das cores não reside nas cores em si mesmas ,mas nos dados da cultura. Elas não tem sentido senão em circunstâncias precisas inerentes a percepção do objeto. Elas não mostram tanto as distinções das cores mas distinções de outra ordem que depende da cultura.”

David Le Breton

Onde o cineasta quis nos mergulhar ao escolher o azul como um filtro do seu filme ?

A forma da água é enfatizada no design dos ambientes que possuem formas curvas e nunca ângulos retos. O apartamento de Elisa segue estas linhas voluptuosas e vemos a umidade por todo lugar.

A grande onda de Kanagawa, gravura de Hokusai é uma das inspirações para as paredes do cenário. O azul em nossa cultura é também uma cor associada a melancolia e vemos na nostalgia de Elisa, no seu gosto por filmes, músicas e neste amor ao passado.

São muitos os símbolos, referências culturais e possibilidades de análise.

Você também pode trazer os sentidos para a sua apreciação e compreensão simbólica ; vou adorar receber sua interpretação senciente do seu filme favorito.

David Le Breton nos mostra que o indivíduo não toma consciência de si senão através do sentir, que ele faz a experiência de sua existência por ressonâncias sensoriais e perceptivas. Dessa forma todo homem caminha num universo sensorial ligado ao que sua cultura e sua história pessoal fizeram de sua educação, cada sociedade desenhando uma “organização sensorial” que lhe é própria.

“Todo homem caminha num universo sensorial ligado àquilo que sua história pessoal fez de sua educação.percorrendo a mesma floresta indívíduos diferentes não são sensíveis aos mesmos dados. Existe a floresta do coletor de champignoms, do passeante, do fugitivo, a floresta do índio, do caçador, do guarda-florestal, dos apaixonados, dos extraviados, dos ornitólogos; a floresta igualmente dos animais ou da árvore, do dia e a da noite. Mil florestas na mesma, mil verdades de um mistério que se esquiva e que jamais se dá senão em fragmentos”

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